Uma lula-gigante bem de perto. O cefalópode, sem espinha dorsal, de proporções descomunais, agarra uma presa por exemplo um peixe-granadeiro, como se usasse um imenso alicate. Ela usa seus oito braços, munidos de centenas de ventosas, para envolver suas vítimas.
Criaturas mitológicas? Monstros? Ou espécies que realmente existem? Durante muito tempo, os relatos sobre lulas e polvos gigantescos foram considerados "lorotas de pescadores". Para os cientistas, foi um desafio pesquisar lulas-gigantes, até que alguns exemplares, com tentáculos de até 10 m de comprimento, olhos do tamanho de bolas de futebol e mandíbulas extrafortes, foram resgatados - ou mortos.
Por Lothar Frenz
As ventosas do polvo gigantesco colam nas janelas do submarino Nautilus. O corpo do molusco mede 8 m de comprimento, seus tentáculos mais que o dobro disso.
A boca do monstro abre e fecha ameaçadoramente - um bico córneo, muito parecido com o de um papagaio, só que bem maior.
De repente, aparecem outras dessas criaturas colossais e seus deslizantes braços e tentáculos tornam-se um perigo para o navio.
Só há uma solução: o Nautilus tem que emergir, abrir a escotilha na superfície do mar e desgarrar os polvos atacantes.
Porém, mal a tampa de ferro se abre, é arrancada pelo tentáculo de um deles. Um outro serpenteia imediatamente para dentro da embarcação.
Com um machado, o capitão Nemo decepa os tentáculos do tronco do monstro mole e gelatinoso. Um após o outro, até o enorme animal perde quase todos, mas com o último que lhe sobrou, ele ainda consegue agarrar um marinheiro.
Estrebuchando indefeso, o pobre desgraçado é arrastado e desaparece numa nuvem de tinta escura.
Esse horripilante encontro, um pesadelo em alto-mar, é inventado livremente numa das cenas mais impressionantes do romance fantástico de Júlio Verne "Vinte Mil Léguas Submarinas", publicado em 1870, poucos anos após a construção dos primeiros submarinos.
Mas o que no século XIX ainda era ficção científica, estava fadado a se tornar real, ao menos parcialmente, no final do século XX.
Na primavera de 1999, uma expedição chefiada por Clyde Roper zarpou num pequeno submarino, em busca do lendário polvo - gigante, no litoral da Nova Zelândia.
Roper trabalha no renomado Smithsonian Institute, em Washington, D.C., EUA, e, desde a década de 1960, pesquisa lulas, polvos e chocos, que compõem os cefalópodes (do grego, kephale, cabeça + pous, podos, pé, pés que nascem na cabeça).
O gigantesco polvo do romance de Júlio Verne, na realidade uma lula-gigante, é a grande paixão do investigador.
Relatos sobre a existência de monstros com múltiplos braços nos oceanos existem há séculos. Já o escritor romano, Plínio, o Velho, que perdeu a vida em 79 d.C., durante a erupção do monte Vesúvio, escreveu em sua obra Naturalis Historia, de 37 volumes, sobre um grande "pólipo", com braços de 10m de comprimento.
ELES AVANÇARAM CONTRA O MONSTRO COM MACHADOS E CUTELOS
Na localidade espanhola de Carteia, actual Rocadillo, o animal teria saqueado os lagos de peixes à beira-mar.
Os guardas mataram o monstro, cujo cadáver teria pesado 227 quilos e exalado um cheio extremamente desagradável.
Uma besta semelhante "a maior e mais surpreendente" do mundo animal foi descrita pelo Bispo Pontoppidan, autor de uma obra de História Natural norueguesa, publicada em 1755.
Esse "monstro-marinho, incontestavelmente o animal mais comprido do mundo" teria mais de 2 km de comprimento (ou 2.500 m).
Segundo uma outra história de marinheiro, uma aberração com muitos braços e tentáculos teria atacado uma caravela no litoral de Angola, que acabara de receber uma carga, e estava pronta para levantar âncora.
A criatura, parecida com um polvo, teria despontado subitamente na superfície do mar e lançado seus longos tentáculos até o alto dos mastros da embarcação.
O peso do animal teria feito o navio adernar perigosamente, quase levando-o ao naufrágio. Os marinheiros pediram socorro a seu padroeiro, São Tomás. Munidos de machados e cutelos, eles finalmente avançaram contra o monstro e conseguiram libertar o navio do perigoso abraço.
Em sinal de agradecimento, providenciaram uma pintura votiva retratando o dramático acontecimento. A tela foi, mais tarde, pendurada no interior da Capela de São Tomás, em Saint Malo, na França.
Baleeiros, em rota ao largo da Terra Nova, relataram inúmeras vezes que, durante suas lutas contra a morte, baleias cachalote arpoadas regurgitavam membros compridos, parecidos com braços, eram partes do corpo de um desconhecido e monstruoso animal que haviam engolido, provavelmente um imenso polvo.
Histórias como essas, que atravessaram os séculos sendo repetidas em diversas regiões oceânicas do mundo, não teriam passado de "contos de marinheiros", fábulas de baleeiros supersticiosos? Ou será que por trás da misteriosa criatura fantástica, com suas dimensões tão desproporcionalmente gigantescas, havia um animal de verdade?
E, em caso afirmativo, quais das características descritas seriam corretas, e quais teriam sido exageradas?
Que tamanho esses gigantes atingiriam? Lentamente, também a ciência começou a se interessar pela "criatura fabulosa".
Em 1853, os cientistas tiveram, pela primeira vez, acesso aos restos de uma enorme lula. Aconteceu quando o cadáver de um desses gigantescos cefalópodes foi deixado pela maré numa praia da Jutlândia, Dinamarca.
Polvos-gigantes costumavam aparecer em muitas praias do planeta, mas, em geral, os pescadores cortavam a parte maciça do corpo em pedaços, e usavam a carne como iscas de pescaria.
O mesmo aconteceu na Jutlândia. Mas o maxilar duro e quitinoso da lula, parecido com um bico de papagaio, chegou às mãos do cientista natural dinamarquês Japetus Steenstrup.
Com base em relatos de testemunhas oculares e nesse raro fragmento, Steenstrup descreveu, em 1857, o género Architeuthis: "o primeiro entre cefalópodes que soltam tinta".
Hoje em dia, depois de alguma confusão sobre a quantidade de espécies, conta-se apenas uma nesse género: o Architeuthis dux, ou a lula-gigante.
Maior ainda é a lula-colossal (Mesonychoteuthis hamiltoni), embora essa espécie só ocorra em águas antárticas, e seja bem menos conhecida que a lula-gigante.
NO PASSADO, as partes do corpo do Architeuthis foram descritas, literalmente, em pequenas porções.
Em novembro de 1861, o francês navio de guerra Alecton ofereceu à ciência o próximo naco, depois de um encontro com a espécie numa região marítima perto de Tenerife, a maior das ilhas Canárias.
À flor d'água boiava um animal com um reluzente corpo vermelho, de quase 6 m de comprimento e tentáculos bastante longos.
A tripulação atacou a criatura com arpões. Ela sangrava profusamente, e exalava um odor muito forte.
Quando finalmente foi puxada a bordo, a tensão da corda retalhou seu corpo, separando a cabeça dos braços, que caíram no mar e afundaram.
Somente a cauda pôde ser içada a bordo e levada para Tenerife, onde foi redigido um minucioso relato sobre o animal. Aparentemente, Júlio Verne teve acesso a esse documento, pois ele relata o ocorrido em seu romance.
Um outro pedaço comprovador da existência dessas lulas inacreditavelmente grande foi fornecido por três pescadores de arenques, que experimentaram um aterrador encontro nas costas da Terra Nova.
Em outubro de 1873, Daniel Squires, Theophilus Piccot e seu filho Tom, remaram até destroços de um navio, que boiavam nas ondas, a cerca de 5 m n (milhas nauticas) da praia.
Quando tentaram puxar um suposto pedaço de madeira com um gancho de ferro, aquilo, para seu mais absoluto pavor, de repente se mexeu.
O animal cravou um duro maxilar na parede do barco e agarrou toda a embarcação com seus enormes braços.
Em seguida o monstro submergiu, ameaçando arrastar consigo não só a embarcação, mas também a pequena tripulação.
O terror paralisou os homens. Graças à presença de espírito do jovem Tom Piccot, de 12 anos, que agarrou um pequeno machado e decepou um tentáculo, todos se salvaram do afogamento.
CIENTISTAS JAPONESES conseguiram registar o primeiro encontro cara a cara, em 2006. Como isca usaram um pequeno polvo, que o gigante tentou agarrar com seus braços (acima). O biólogo marinho Steve O'Shea, da Universidade Técnica de Auckland, Nova Zelândia, dedica sua vida às lulas-gigantes. Na foto, ele examina um bico do animal. Os exemplares nos vidros foram retirados dos estômagos de baleias.
APENAS UM MÊS depois, não longe dali, um outro Architeuthis caiu na rede de quatro pescadores. Eles mataram a desproporcional criatura às facadas. Seus tentáculos mediam 8 m de comprimento; a lula inteira, mais de 10 m. Infelizmente, o corpo perdeu-se, restando apenas a cabeça e os braços.
Essas partes foram entregues ao Reverendo Harvey, um sacerdote e cientista amador, que mandou fotografá-las e desenhá-las.
Moses Harvey repassou os dois fragmentos, o primeiro tentáculo, que Piccot havia decepado, e esses novos desenhos, a Addison Emery Verrill, um professor de Zoologia da Universidade de Yale, reputado perito no campo de animais invertebrados, especialmente caracóis, moluscos e cefalópodes.
Verrill ficou fascinado com os achados e os atribuiu ao ainda pouco conhecido Architeuthis à lula-gigante, portanto.
Agora, finalmente, havia provas suficientes de que esses colossais animais marinhos eram muito mais do que delírios derivados do medo e da fantasia.
Nos anos seguintes Verrill ocupou-se exaustivamente desses moluscos desproporcionais, trabalho facilitado pelo facto de que, nos anos de 1870, dezenas desses animais encalharam nas praias da Terra Nova.
Ao todo, o zoólogo examinou 23 exemplares; até 1882, ele publicou 29 artigos científicos sobre o Architeuthis. Com isso, a lula-gigante foi definitivamente admitida pela ciência no reino dos animais reais.
NO ANO DE 1880, o maior Architeuthis cientificamente documentado apareceu nas praias da Nova Zelândia.
Da ponta do manto, invólucro que abriga a cabeça e o corpo, até a ponta dos tentáculos, a criatura media 18 m. Seu peso: 1 t.
Com 40 cm de diâmetro, seus olhos eram maiores que a cabeça de um homem, os maiores, sem dúvida, de todo o Reino Animal.
Seus nervos eram tão grossos que, inicialmente, foram tomados como vasos sanguíneos. Entretanto, os espetaculares dados referentes a comprimento devem ser apreciados com cautela, adverte o zoólogo Clyde Roper, que também teve a chance de examinar numerosos cadáveres de Architeuthis.
"É claro que todos querem ter a honra de ter achado a maior e mais comprida lula-gigante. Mas os tentáculos são tão flexíveis como cordas de bungee", observa Roper, "quanto mais força se aplica a elas, mais elas se estendem".
Mesmo assim, o especialista parte do princípio que, nas profundezas oceânicas, poderiam viver lulas-gigantes ainda maiores. Talvez com 25 m de extensão.
Em muitos países, o Architeuthis recebe o nome de polvo-gigante, provavelmente em decorrência dos kraken, polvos do tamanho de uma ilha e com cem tentáculos, que ameaçava os navios, segundo a mitologia nórdica - mas o correto é lula-gigante.
Pois, como todas as lulas, também esses exemplares colossais pertencem biologicamente à ordem Theuthida, de cefalópodes de corpo alongado e pontudo, com oito braços e dois tentáculos muito mais compridos, munidos de pontas em forma de clava.
Os verdadeiros kraken, pertencentes à espécie dos polvos, só possuem oito braços e um corpo arredondado e inflável, em forma de saco.
Em seu interior, o Architeuthis é protegido por uma estrutura de quitina que assume a função de um esqueleto, a gladius", ou espada, o resto da camada externa de outros moluscos, conchas e caracóis, por exemplo. Na lula-gigante, essa "espada" pode chegar a medir 1,2 m.
Quase tudo o que se sabe até agora sobre a lula-gigante origina-se de animais carregados pelas marés até praias ao redor do mundo, ou de bichos que acabaram nas redes de pescadores, principalmente nos litorais na Terra Nova, Noruega e Nova Zelândia.
Por isso, o conhecimento sobre o Architeuthis praticamente limita-se à sua estrutura corporal. Como o gigantesco molusco vive em águas abertas, aquilo (a caça) de que se alimenta, e como ele faz isso, mantém-se um mistério para os humanos.
Espécies trazidos pelas marés, por exemplo, apresentavam uma cor castanha avermelhada. Mas há relatos feitos por marinheiros que revelam uma rápida alteração dessa coloração, como ocorre em outras espécies de lulas e polvos.
Em questão de segundos, certas células cutâneas desses animais produzem uma tinta, ou se expandem, formando padrões que servem de camuflagem ou refletem a disposição para o acasalamento, ou ainda, estados de excitação.
COM UM DIÂMETRO DE 40 CENTÍMETROS, SEUS OLHOS ERAM MAIORES QUE UMA CABEÇA HUMANA
NADA SE SABE SOBRE o momento em que o Architeuthis muda sua pigmentação, ou o por quê. Nem o uso que faz da tinta que produz.
Como muitos cefalópodes, também a lula-gigante possui uma bolsa, cheia de um líquido preto acastanhado, mas em comparação com seu enorme tamanho, esse receptáculo é bem pequeno.
Outros cefalópodes expelem tinta para confundir seus inimigos, e desaparecem na nuvem escura que se forma.
Nas profundezas dos oceanos, contudo, o gigante Architeuthis não tem nenhum inimigo natural, exceto o cachalote.
E na escuridão absoluta que reina nas profundezas marinhas, esse grande mamífero não se orienta com os olhos, mas por meio de um sistema especial de ecolocalização, que não pode ser atrapalhado por uma simples nuvem de tinta escura.
Mas então, para que serve a bolsa de tinta?
Sobre o ritual de acasalamento dos titãs, no turvo mundo subaquático, também existem apenas suposições.
Mas o biólogo holandês Hendrik Ties Hoving, da Universidade de Groningen, colocou-as em evidência, em 2008, ao apresentar sua tese de doutorado.
Parece que o acto de acasalamento entre esses animais é um ritual de extrema violência. Acredita-se que, mercê de seu pénis de 1 m de comprimento, o macho injecta pacotes de espermas directamente nos braços, tentáculos e cabeça da fêmea, enquanto ela se defende enfurecida.
E, apesar disso, durante a luta, o macho, menor e mais fraco que sua parceira, corre perigo constante de perder pedaços de seus braços.
Entretanto, até agora não se sabe absolutamente nada sobre como, mais tarde, ocorre a fertilização na fêmea, ou como os espermatozoides injectados pelo macho descobrem o seu caminho até os ovários dela.
Enigma maior é onde vivem as "pequenas" lulas-gigantes, pois animais jovens são capturados muito mais raramente que exemplares adultos.
São essas criaturas infantis que atiçam a paixão do biólogo marinho Steve O'Shea, do Instituto Nacional de Pesquisa Aquática e Atmosférica (NIWA), em Wellington, na Nova Zelândia.
Ele interpreta o pouco que se conhece sobre o ciclo de vida da lula-gigante da seguinte maneira, é provável que os animais adultos só subam das regiões marítimas profundas para águas mais rasas a fim de desovar.
Muitas espécies de lulas e polvos são especializadas em tentar produzir um máximo de descendentes durante suas curtas vidas, já que morrem logo após a desova. Isso também poderia ocorrer entre as lulas-gigantes.
Os cientistas acham possível que mesmo o gigantesco Architeuthis dificilmente viva mais que cinco anos. Isso também explicaria por que os estômagos de animais trazidos pelas marés sempre estão vazios, em sua última jornada eles não precisam mais de alimentos.
Por outro lado, O'Shea acredita que os animais jovens vivam em regiões superiores do mar, onde já foram capturados.
Há indícios de que, nessas águas mais rasas, eles se tornam presas de albatrozes. Pelo menos é o que sugerem exames do conteúdo de estômagos dessas aves, a maior espécie voadora do planeta.
Numerosos maxilares de jovens lulas-gigantes foram encontrados em estômagos de albatrozes.
Outra suposição de O'Shea: bichos de pouca idade desenvolvem-se muito rapidamente. "O crescimento rápido pode ser interpretado como uma estratégia bastante especial, um meio de evitar ser devorado por outros", concorda o colega Clyde Roper. Ele, no entanto, ressalta: "Isso faz sentido e parece lógico, mas nunca foi provado".
MONSTROS VORAZES, que arrastam navios para as profundezas, assim eram descritas as lulas-gigantes no passado. Entretanto, elas só aplicam sua força descomunal nas profundezas, muitos cachalotes exibem na pele as cicatrizes de ferimentos provocados por suas ventosas, ou pelos afiados ganchos das lulas colossais.
SEGUNDO ESSAS TEORIAS, as lulas-gigantes provavelmente têm um sistema de flutuação económico, que lhes permite viver na água sem gastar muita energia.
Sabe-se que os tecidos desses animais possuem uma concentração extremamente elevada de íões de amónia, que apresentam uma densidade menor que a água do mar.
Desse modo, a lula pode flutuar pela água sem gastar muita energia para impedir que afundem. Isso provavelmente também explica por que animais mortos, ou moribundos, flutuam em direcção à superfície.
O elevado teor de amónia também é a origem do cheiro forte, ocasionalmente descrito como almiscarado, dos animais que boiam.
Ao mesmo tempo, os íões de amónia conferem à carne do animal um gosto diferente, desagradável ao ser humano.
Clyde Roper, que certa vez, numa festa, teve a oportunidade de degustar um pedaço de lula-gigante frita, descreveu-a como amarga e intragável. Mas o sabor forte não parece incomodar os cachalotes, os principais inimigos dos gigantes.
Para observar o Architeuthis vivo, em seu habitat natural, provavelmente não resta outra alternativa senão procurá-lo nas profundezas, com o auxílio de equipamentos especiais, ou mergulhar pessoalmente atrás dele.
Diversos cientistas tentaram descobrir a grande lula em seu espaço vital. Clyde Roper também procurou observar o Architeuthis, ou pelo menos obter imagens dessa espécie em movimento.
"Se pudéssemos observar e filmar o gigante apenas durante alguns minutos nas profundezas, ficaríamos a saber muito sobre ele", diz em tom de lamento.
Roper depositou uma esperança especialmente grande na experiência, que envolveu a ajuda de cachalotes, já que polvos e lulas são as presas preferidas da maior baleia dentada do planeta.
Nada menos do que 18 mil maxilares quitinosos, de diversos tipos de cefalópodes, já foram encontrados no estômago de um único cachalote (Physeter catodon), entre eles, vários que pertenceram ao Architeuthis.
Esses cetáceos envolvem-se em lutas de vida ou morte com os desproporcionais moluscos em profundidades de até 1.000 m.
Na verdade, a pele de muitos cachalotes parece ser um mapa de combates passados. Cicatrizes redondas testemunham a resistência das lulas-gigantes, pois seus oito braços são equipados com fileiras duplas de ventosas, enquanto as pontas em forma de clava dos dois tentáculos, têm quatro fileiras. Essas ventosas são reforçadas por dentições capazes de abrir feridas profundas.
Portanto, como seria usar os cachalotes como "cães farejadores", que levassem aos gigantes? Seria possível utilizar os mamíferos marinhos como "cameraman"?
No passado, as indiscretas câmeras em miniatura do tipo crittercam, afixadas em leões-marinhos e tartarugas-marinhas, produziram imagens magníficas.
Finalmente, essas microcâmeras de alta tecnologia foram fixadas em cachalotes ao largo do Arquipélago dos Açores, operação complicada e não sem risco, pois é preciso aproximar-se das baleias em barcos infláveis e instalar a câmera com uma espécie de ventosa.
E funcionou. Foram obtidas imagens extraordinárias da vida social dos cetáceos a centenas de metros de profundidade. Infelizmente, nenhuma lula-gigante compareceu às filmagens.
Em 1997, Roper perseguiu uma criatura dessas, no litoral da Nova Zelândia, pelo Canyon Kaikoura - um fosso oceânico de 1.700 m de profundidade. Dessa vez, ele usou um robô submarino e uma câmera de vídeo.
Na ocasião, a lente testemunhou uma luta dramática, 600 m abaixo das ondas: uma lula atacou um tubarão, enrolou seus oito braços e dois tentáculos no peixe, e enfiou as extremidades dos tentáculos nas guelras da vítima. O tubarão quase morreu sufocado, mas conseguiu se desvencilhar e fugir.
Nunca antes imagens como essas haviam sido filmadas, o problema é que o electrizante duelo não ocorreu entre gigantes, tanto a lula, como o tubarão, mediam cerca de 1 m de comprimento.
A lula era apenas um parente dos cobiçados gigantes. Mas o documentário forneceu pistas de como a lula-gigante poderia viver e caçar.
FINALMENTE, A UMA PROFUNDIDADE DE 900 METROS, UMA LULA-GIGANTE ATACA A ARMADILHA FOTOGRÁFICA
UM EXEMPLAR RECORDE foi preservado a muito custo por investigadores do Museu Nacional da Nova Zelândia. Para isso, ele foram obrigados a entrar na água junto com o cadáver de 495 quilos e dez metros de comprimento
NO OUTONO DE 2004, dois investigadores japoneses conseguiram outro avanço. Tsunemi Kubodera e Kyoichi Mori tinham avaliado dados sobre as caçadas de cachalotes, e alimentado a esperança de que os mamíferos marinhos os levassem até as lulas-gigantes.
Num ponto de congregação das baleias, nas águas ao redor das ilhas japonesas de Ogasawara, os dois cientistas mergulharam reiteradamente uma câmera automática de investigação em grandes profundidades.
Eles prenderam sob o aparelho dois ganchos com pequenos polvos, que deveriam servir de iscas. O odor de camarões frescos, pendurados dentro de um saco, entre as duas iscas, deviam reforçar o atrativo para os gigantes do mar.
Na manhã de 30 de setembro, tais esforços finalmente renderam frutos, a 900 m de profundidade, uma lula-gigante atacou a isca fotográfica.
Mais tarde, as fotos, tiradas a cada 30 segundos, revelaram um Architeuthis de oito metros de comprimento.
De início o animal enrolou seus dois tentáculos nas iscas, mas acabou enroscado num dos ganchos, e passou mais de quatro horas tentando se libertar.
Quando os cientistas conseguiram puxar a isca para fora da água, apenas um pedaço de tentáculo, de mais de 5 m, veio junto, pendurado num gancho.
Num acto reflexo, o fragmento imediatamente colou suas ventosas no chão do barco.
Antes dessa captura quase bem-sucedida, os caçadores de lulas tinham atirado suas iscas em vão. Mas, em 2006, eles foram novamente recompensados por sua perseverança, e dessa vez, foi ainda melhor.
Os investigadores conseguiram filmar uma lula-gigante, de 7 m de comprimento, que havia mordido sua isca perto, mais uma vez, das ilhas Ogasawara, ao sul de Tóquio. Infelizmente, ao ser içado para bordo o animal feriu-se tanto que morreu ali mesmo.
As imagens dos japoneses foram uma sensação, mas não seriam a única. Em fevereiro de 2007, pescadores da Nova Zelândia navegaram rumo a águas antárcticas, para pescar merluzas austrais.
Mas a lula-colossal (Mesonychoteuthis hamiltoni) atraída para a garateia que usavam, nas profundezas do Mar de Ross, deixou os marinheiros boquiabertos.
Ela havia engolido a isca, e durante duas horas lutou pela vida. Mercê de um esforço tremendo, os homens içaram a gigantesca presa até o barco.
O que eles ainda não sabiam naquele momento: sua "pescaria" captura acidental foi a lula mais pesada já capturada e documentada em todos os tempos: 495 Kg, 10 m de comprimento, e olhos com 27 cm de diâmetro, cinco centímetros a mais que uma bola de futebol.
Imediatamente após a captura, o cadáver foi levado ao Museu Nacional Te Papa, da Nova Zelândia, em Wellington.
Ali, o animal, uma lula fêmea, foi mantido congelado, até que uma equipa de investigadores, encabeçada por Steve O'Shea, o descongelou, cuidadosamente, em agosto de 2008, para facilitar uma série de análises. Actualmente, o colosso pode ser admirado por visitantes do museu.
Os cientistas descobriram coisas surpreendentes. Com o avanço da idade, esses cefalópodes aparentemente não crescem mais em comprimento, mas em largura: elas ficam mais pesadas e redondas.
Os investigadores chegaram a essa conclusão porque o corpo do exemplar sexualmente maduro, com 4,2 m, era consideravelmente mais curto que o de uma outra lula-colossal fêmea, também apanhada por acaso por pescadores no Mar de Ross, em 2003. Esse animal tinha 6 m, mas pesava 195 Kg menos.
"Antigamente imaginávamos que o animal ficasse zanzando para lá e para cá na água, atacando agressivamente os peixes.
Mas um animal com um corpo em forma de balão não consegue se locomover tão velozmente na água", explica o biólogo O'Shea.
"É inconcebível que essa criatura consiga fazer algo mais além de boiar lentamente no fundo do mar, como uma rolha estufada". E ali em baixo, presume o cientista, a fêmea alimenta-se de peixes mortos, enquanto choca milhares de ovos sob seu manto.
Os investigadores chegaram a outra conclusão interessante: o bico do animal media 42,5 mm de comprimento, embora cientistas já tivessem descobertos bicos de lulas de 49 mm em estômagos de cachalotes. Portanto, deve haver gigantes ainda muito maiores do que o exemplar agora capturado.
Constatações como essas só servem para atiçar ainda mais a fantasia e o espírito indagador dos caçadores de lulas-gigantes.
A captura acidental na Antártica certamente foi um momento de sorte extraordinária para a ciência. Ela proporcionou novos conhecimentos sobre a enigmática espécie.
Contudo, as profundezas ainda preservam seu mistério, pois as gigantescas lulas resistem tenazmente a todos os esforços feitos para uma observação de seu comportamento em condições naturais, no mar aberto. Os colossos continuam escondidos no escuro, ao menos por enquanto.
fonte: Revista Geo
fonte: Revista Geo
Sem comentários:
Enviar um comentário